Sunday, October 30, 2011

Finalmente Alguém Decidiu Alguma Coisa (Mas Nem Tudo)

A última semana foi a semana da Cimeira Europeia que, ao fim de tanto tempo de indecisão e falta de liderança a nível europeu, finalmente originou um acordo que visa o combate à crise da dívida que tão graves consequências tem tido, não só para a Europa, mas para a economia mundial.
Em traços gerais, o acordo prevê:
1)   Um haircut da dívida grega na ordem dos 50%. Ou seja, é requerido aos bancos privados e às seguradoras que aceitem perdas de 50% do pilim injectado na Grécia.

2)   A expansão do Fundo Europeu de Estabilização Financeira através de dois métodos – por um lado, é exigido o aumento das contribuições dos 16 países (17 com a Estónia que aderiu à UE já após a criação do fundo); por outro lado, o fundo poderá, a partir de agora, emitir garantias para cobrir o risco de incumprimento dos países. O montante do fundo subirá de 440 mil milhões de euros para um bilião de euros.

3)  Aumenta o “core tier one” exigido aos bancos, ou seja o rácio de capital vs. crédito concedido ponderado pelo seu risco associado.

O acordo foi bastante bem recebido pelos investidores, analistas, agências de rating, etc. Quem, obviamente, acabou por não ficar tão contente foram os credores da Grécia e os bancos em geral.
Tem de se reconhecer que os bancos se expuseram à dívida soberana no pressuposto comummente aceite e até há pouco tempo inquestionável de que a dívida soberana tem, de certa forma, um risco zero associado, acabando por se tratar, na essência, de um “jogo” entre bancos e governos. De uma assentada vêm o write-off de 50% do seu activo de dívida grega (que, digo eu, estaria 100% provisionado nas contas) e são chamados a aumentar o rácio de capital.
Existem, claro, várias maneiras de capitalizar os bancos. Há o dinheiro público, o fundo Europeu, o dinheiro doméstico e há o bago privado. Fará sentido capitalizar os bancos com dinheiro público numa altura em que estes não injectam liquidez nas economias nacionais? Falham pormenores importantes no acordo, ou pelo menos às linhas gerais que foram transmitidas para o público. Como esperam os líderes europeus que seja feita esta capitalização? Eu acho que seria de bom senso que, ao recorrerem às linhas públicas, se exigisse aos bancos que mantivessem um determinado nível de empréstimo à economia real, mitigando (em parte) o risco de estagnação/recessão da Europa. Claro que admito que isto é uma real “pescada de rabo na boca”: aos bancos é exigido o aumento do rácio de capital vs. crédito ponderado pelo risco – é lógico que quanto mais emprestam, mais exposição têm, logo, mais capital terão de deter para cumprir os critérios impostos, logo, recorrem aos fundos europeus, logo, os fundos murcham e sentar-se-ão novamente 17 manda-chuvas para tagarelar sobre o assunto.
A título de aparte, apraz-me chamar a atenção do leitor para o facto de Nicolas Sarkozy ter explicado, após a cimeira, que “a reestruturação da dívida grega será feita numa base voluntária de adesão dos bancos”. Felizmente, parece que há muitos voluntários. É em momentos de crise que a natureza humana actua em toda a sua magnificência.

Entretanto, numa acção bastante menos mediática, Klaus Regling (CEO do FEEF) encontrava-se em Beijing na passada sexta-feira para negociar com os líderes chineses a continuidade e aumento do fluxo de compra de obrigações do Fundo que chefia. Em tempos eu referi aqui que esta é a oportunidade de ouro da China para definitivamente se afirmar como A potência mundial. Tudo indica que o caminho é esse, tendo em conta que todos os dias lhes batemos a porta a pedir auxílio.
Não nos esqueçamos que o próprio ministro das finanças chinês já, por várias ocasiões, afirmou sem qualquer pudor que a ajuda à Europa não existirá sem sérias contrapartidas. Há vários anos, a China espera ser reconhecida como economia de mercado pela OMC. Com esse novo status, as exportações chinesas seriam altamente beneficiadas pela redução de "entraves" alfandegários. Tradução: a Europa terá que se abrir mais a empresas chinesas e comprar mais produtos "Made in China".

Saturday, October 8, 2011

Weekly Review(s) 26 Setembro - 09 Outubro

 

Estas semanas foram frutuosa em acontecimentos dignos de nota, sendo que dois dos quais se encontram inclusivamente já comentado nos meus anteriores posts.

Montanha russa
As últimas semanas não têm sido fáceis para os investidores. Continua um grande grau de incerteza e medo nos mercados, os índices reagem mais do que seria de esperar a notícias que não são previamente filtradas, num tipo de comportamento algo psicótico.







Eu tive oportunidade de analisar os gráficos acima, para os quais (apenas por curiosidade) chamo a atenção. Nestes é possível observar como tem sido o comportamento dos mercados. São a prova do medo dos investidores. E desengane-se quem pensar que são os pequenos investidores que provocam este tipo de movimentos. E é aqui que encontro alguma preocupação. Ao que parece, os gestores de fortunas sentem-se um pouco desorientados com toda esta conjuntura. Diria mesmo que, neste momento, ninguém se arrisca a sustentar qualquer estratégia. Está tudo num modo de floating seguindo a tendência geral. Quando assim é, surgem ordens contraditórias mesmo de dentro das mesmas entidades e tudo isto vai ampliando o sentimento de incerteza. Diria que, se a situação europeia não encontrar rapidamente uma direcção, o caminho do mercado é continuar a descida. A bolsa precisa de certezas para hoje; amanhã logo se vê.


James Wolfenson “dá música” a Portugal

James Wolfenson, líder do Banco Mundial entre 1995 e 2005 (tendo realizado um trabalho amplamente reconhecido) cruzou-se com Vítor Gaspar durante as reuniões anuais do FMI e Banco Mundial. Wolfenson terá afirmado categoricamente que o plano económico de Portugal é “muito credível, forte” e que o nosso ministro das Finanças é “extremamente bom”. Contudo, em linha com o que aqui já expressei ser a minha opinião, terá também deixado claro que é extremamente necessário a Portugal que “o sistema financeiro europeu se aguente”. É simples perceber a razão para tal. Portugal depende neste momento do auxílio externo e os seus compromissos foram assumidos com base num pressuposto de algum equilíbrio europeu. Qualquer instabilidade irá afectar em muito a nossa performance e o problema agrava-se com a probabilidade de um default grego. Num momento de desespero, Portugal será apenas um dos países em apuros. Infelizmente, um dos pequenos.



Uma crise de valores, uma corrida contra o tempo
No momento em que escrevo estas linhas sou inundado por notícias que dão conta do aperto em que se encontra o banco Dexia. Este banco, com participações do Estado belga, francês e luxemburguês, emprega mais de 35.000 pessoas e foi listado na Fortune Global 500 de 2010 como uma das 50 entidades financeiras mais rentáveis do mundo (mesmo depois de, já em 2008/2009, ter sido resgatado pelos governos após serem levantadas questões relacionadas com a sua exposição a vários activos tóxicos nos EUA e na Alemanha). O Dexia é um sinal. E é o primeiro sinal simplesmente porque desde 2008 que se encontra numa situação movediça. Segundo dados da Reuters e a preços de mercado das acções na passada terça-feira, o banco não vale mais de cerca de 2,5 mil milhões de Euros o que, face à sua posse de 3,8 mil milhões de Euros de dívida grega, o que o coloca numa posição muito pouco favorável. O título chegou a afundar cerca de 29% ao longo da semana. O problema é que, dada a conjuntura presente, não basta aos governos (como em 2008) injectar dinheiro seguindo uma metodologia “tapa furos”. Tarde e a más horas toda a gente percebeu que é realmente necessária uma intervenção de fundo na estrutura e no modelo de governação das entidades financeiras.
É pura especulação lançar probabilidades e falar do desfecho da situação actual. A verdade é que os dados estão lançados não só na Europa, mas em todo o mundo. Basta olharmos para o comportamento dos mercados mundiais para percebermos que hoje, mais que nunca, todas as entidades financeiras estão correlacionadas entre si. É exactamente neste ponto em que devemos procurar o nosso fôlego e por uma razão muito simples: o leque de opções é amplo. Contudo deve perceber-se que esta é uma crise de valores, com origem na ambição das entidades financeiras, dos investidores e, no limite, de qualquer consumidor comum. Sair da crise é uma questão comportamental que não se resolve com bailouts e austeridade. Isso apenas nos compra algum tempo.
A situação em que nos encontramos exige equilíbrio. Como tal, vejo com alguma incompreensão as declarações recentes dos líderes europeus que, com serenidade, asseguram que qualquer banco europeu em dificuldades será resgatado sem problemas. Não é preciso esclarecer as pessoas que o dinheiro não nasce (tal como estes senhores tentam vender), apenas se transfere. Importa recapitular o conceito de que as transacções puramente financeiras são em essência uma “zero sum game” – alguém ganha, alguém perde – o benefício de um é o malefício de outro.

Good Old Moody’s (Parte 2)


Nem me vou alongar. Os cortes de rating da Moody’s já não são notícia. Só acho piada porque, no fundo, todos os bancos portugueses são lixo financeiro, mas nem todos estão com um Outlook negativo! A excepção vai para o BPN que, segundo a agência, “tem perspectivas de desenvolvimento para todas as categorias”. Lembram-se do BPN? Aquele que tinha um buraco de cerca de 1,8 mil milhões? Parece que agora está porreiro.

 
Warren Buffet “autoriza” compra de acções próprias da Berkshire Hathaway




Eu admiro Warren Buffet. Inclusivamente, em dadas alturas, explorei bastante a sua metodologia de investimento e o seu racional. Ainda assim, fiquei espantado com a sua jogada desta semana.
Em 1944, Buffet já andava de porta em porta a vender Coca-Cola, sendo hoje um dos maiores accionistas da empresa. Nesse mesmo ano, com 14 anos de idade, fez a sua primeira declaração fiscal. Alegou que o seu relógio e a sua bicicleta eram essenciais para o seu negócio e obteve uma dedução de 35$. O investidor mais bem-sucedido do mundo gosta de apostar em coisas “certas”, empresas que compreende e nas quais investe sempre a longo prazo. Esta é uma daquelas conjunturas em que Buffet se sente como peixe na água – a situação do medo. Diz que quando existe incerteza é quando surgem os melhores preços nas acções e é aí que investe. Aliás, com a queda abrupta dos mercados em Agosto deste ano, principalmente das acções do sector financeiro, o que Buffet fez foi investir 5 mil milhões de dólares no Bank Of America. Desengane-se quem pensar que o fez simplesmente porque tem capacidade para isso e porque para ele, no fundo, não é tanto dinheiro assim. Buffet não esbanja, muito pelo contrário. O seu “espírito de poupança” – chamemos-lhe assim – é lendário e por vezes até alvo de censura por parte dos seus colegas ricos mais… gastadores.
Na passada semana Buffet deu “autorização” para a compra de acções próprias da sua querida Berkshire Hathaway (empresa pela qual gere todos os seus investimentos). O anúncio foi uma grande surpresa em Wall Street simplesmente porque pressupõe a possibilidade de este comprar as acções a um prémio de 10% sobre o seu valor contabilístico. Algo que para um mercado que segue atentamente os movimentos de Buffet só quer dizer uma coisa: que ele confia na economia mundial, está certo do seu julgamento de anos a escolher os sítios certos para pôr o seu dinheiro e que quem quiser “andar à boleia” da Berkshire terá de deter a acção acima de um determinado valor que este acha justo. Visto desta forma, o movimento foi fantástico. Obviamente que tal feito apenas podia ser levado a cabo por uma pessoa da sua influência, mas nem por isso deixa de ter alguma genialidade. O que Buffet fez foi, com grande simplicidade, criar um floor aparente para as acções da sua empresa. Traduzindo em linguagem descomplicada: muito provavelmente (e tendo em conta a sua posição) as acções não irão descer ao ponto de as comprar – e ele sabe-o bem.

Steve Jobs: 24 Fevereiro 1955 – 05 Outubro 2011



Não poderia deixar de fazer a minha homenagem a Steve Jobs, o homem que em 1976 fundou a Apple e a tornou na empresa mais inovadora e uma das mais valiosas do mundo.
Confesso que não tenho qualquer dispositivo da Apple. Não sou utilizador de iPhone, iPad, iPod, ou Apple Computers. Mas pouco importa. O génio de Steve foi muito para além disso. Toda a forma como nos relacionamos com o computador ainda hoje assenta nos princípios básicos que ele idealizou. Foi Jobs quem inventou o conceito de rato e, ainda antes disso, foi nos sistemas operativos da Apple que surgiu a interface gráfica que hoje é a base para tudo o que fazemos no computador. Para além de tudo isto, Jobs ainda cooperou activamente na criação dos filmes de animação mais inovadores alguma vez vistos, através da Pixar – quem não recorda o Toy Story?
Jobs foi um visionário. Nunca acabou a faculdade porque na altura pouco dinheiro tinha para estudar, mas enquanto alguns se perdiam bem perto de casa, Jobs viajava pela Índia para se encontrar. Voltou budista, de cabeça rapada e com uma mão cheia de experiências psicadélicas que incluíram o uso de LSD. Mais tarde veio a revelar que esses momentos foram extremamente importantes para a sua vida e para a sua capacidade de inovação.
Em 2005 presenteou o mundo com o discurso que se pode ver abaixo.



De todas as suas palavras, que respeito, destaco as seguintes:
“Remembering that I’ll be dead soon is the most important tool I’ve ever encountered to help me make the big choices in life. Because almost everything — all external expectations, all pride, all fear of embarrassment or failure – these things just fall away in the face of death, leaving only what is truly important. Remembering that you are going to die is the best way I know to avoid the trap of thinking you have something to lose. You are already naked. There is no reason not to follow your heart.”
Tivéssemos todos nós a coragem de fazer o que realmente gostamos.

Monday, October 3, 2011

“Miss Austerity” Angela Merkel

Na passada segunda-feira tive oportunidade de ler a transcrição da entrevista que a chanceler alemã Angela Merkel concedeu à ARD (ver aqui).
A maioria das suas palavras foi destinada a convencer os alemães da necessidade de expansão do Fundo de Estabilidade Europeu, que viria a ser aprovada no parlamento alemão (Bundestag) na quinta-feira seguinte. De facto, a segurança passiva sempre foi um ponto fortíssimo da “engenharia” alemã. Traduzindo para linguagem técnica, Merkel sugere a criação de um airbag de última geração cuja pretensão é a de evitar a desgraça no caso de incumprimento grego. Até aqui, julgo que faz todo o sentido e só peca pela demora. No entanto, sem querer ser demasiado extremista, acho que a senhora borrou a pintura ao recorrer à frequente intransigência germânica e afirmar que os países que não cumprirem com os limites impostos pelo Tratado de Maastricht “devem ser obrigados a cumprir”. Eu não concordo com esta abordagem demasiado simplista. É uma visão curta. A rigidez e austeridade não resolverão os problemas de fundo da Europa, muito menos as sanções sobre sanções sobre países em desespero. As sanções funcionam francamente mal e, no limite, apenas como método preventivo e não resolutório. A Europa franco-germânica tenta impor uma liderança através de austeridade, não conseguindo atingir que esta, em demasia, causa danos que demorarão muito tempo a reparar. Isto é verdade mesmo na própria Alemanha em que as exportações desceram, assim como o consumo doméstico, prevendo-se que o seu crescimento global, a existir, estará ridiculamente baixo do seu potencial.
Felizmente, julgo que estamos a atingir um ponto de inflexão importante neste tipo de comportamento. Nos próximos meses veremos eleições na Alemanha, em França e em Espanha. Esperemos que os eleitores ponderem a sua decisão após completamente sabedores da nossa conjuntura e do impacto da mesma. E esperemos, ansiosamente, que se exija à Europa uma verdadeira liderança com base na união. Como se lia já no editorial de 18 de Agosto do New York Times, convém desligar o modo de “piloto-automático” da austeridade e partir para o comando manual.
PS: Por falta de tempo, a “Weekly Review” da passada semana não foi, como costume, postada hoje. A minha disponibilidade não foi a suficiente para cumprir com o que tenho planeado, pelo que decidi adiar a análise completa. Julgo que o leitor bem compreenderá.

Thursday, September 29, 2011

“Governments Don’t Rule the World; Goldman Sachs Rules the World.”

Terça-feira tive o prazer de ver algo que quero partilhar aqui.
Num especial de informação sobre a situação crítica da Europa, a BBC decidiu realizar uma entrevista ao improvável trader da City londrina que correu da seguinte forma:


Achei o momento magnífico. Eu e, provavelmente, o mais de 1 milhão de pessoas que já viu este mesmo vídeo ou que acompanhava a emissão.
O auto-intitulado trader dá literalmente uma coça à situação ao francamente expor a sua visão fria e crua sobre os acontecimentos e sobre como os bancos de investimento contemplam esta crise. Apesar do estardalhaço do feito, existe, na minha opinião, algum fundamento na declaração de Rastani. Não é mentira que os bancos de investimento como o Goldman Sachs têm ao seu dispor instrumentos potencialmente destruidores de riqueza para milhões de pessoas. Não é mentira que o impacto das suas decisões não seja medido tendo em conta o bem-estar da generalidade da população, mas sim os seus próprios lucros. E não é mentira que o Goldman Sachs se esteja quase a borrifar para o sucesso do plano de resgate. Mas tudo isto tem uma justificação elementar. Ao banco e aos seus traders interessa fazer dinheiro. Não interessa tanto o método como o fazem; ou seja, se é na alta ou na baixa. Julgo que temos, no entanto, de ser honestos e conseguir atingir que isto de ganhar com a corrosão económica não é novidade para ninguém que esteja familiarizado com o funcionamento do mercado dito livre, principalmente após a introdução dos derivados (que ainda hoje permanecem ausentes de regulação) e das práticas de short.
Rastani é um jogral mensageiro, contudo a essência da sua mensagem não deixa de ser relevante. Há de facto pessoas que não compreendem o mercado e que não estão “preparadas”, como ele próprio diz. Não que eu concorde com o cenário apocalíptico que ele traça, mas ponho um exemplo muito simples. Após o crash de 2008 foi criada uma espécie de comissão de inquérito por parte do governo dos EUA cujo objectivo foi o de apurar as responsabilidades das instituições financeiras. No processo, o presidente da comissão – Senator Carl Levin – realizou inquérito directo ao presidente do Goldman Sachs (Lloyd Blankfein) acerca da existência de situações em que o banco terá efectuado a venda de determinada posição a um cliente e, posteriormente, apostado fortemente contra essa mesma posição. Procedimento anti-ético, errado, maldoso e potencialmente destruidor da riqueza do cliente? Não. Na opinião dos defensores do mercado livre isto é um procedimento perfeitamente legítimo e natural. O banco é um market-maker, isso faz dele um comprador/vendedor com este tipo de práticas. Mas o perigo é este mesmo. A postura destas instituições financeiras não é compreendida pela generalidade das pessoas e não existe qualquer esforço de divulgação da mesma por uma razão muito simples: a ignorância dos investidores dá dinheiro aos grandes bancos de investimento.
Para os interessados em ver com os próprios olhos este inquérito, o vídeo encontra-se disponível aqui. Aconselho sem quaisquer reservas, são 7 minutos abundantemente elucidativos.
Robert Peston, Business Editor da BBC, partilha da minha opinião no que refere à importância que a honestidade de Rastani pode revestir. Tanto que, logo após os acontecimentos, terá postado no seu Twitter o link do vídeo e feito o seguinte comentário: "A must watch if you want to understand the euro crisis and how markets work."
Pressionada que estava a imprensa especializada para obter mais e mais informações sobre Rastani, soube-se pelo The Telegraph que o especialista afinal nunca teve a sua carteira profissional aprovada pela Financial Services Authority, que não existem registos relevantes de que terá alguma vez trabalhado para uma instituição financeira conhecida e que, veja-se, a sua conta bancária demonstra um saldo de £985. Mas isto é o que menos importa.
Ontem Rastani foi novamente entrevistado, mas desta vez por Emily Lambert da Forbes. A entrevista, cuja leitura recomendo, encontra-se transcrita na sua totalidade aqui. Rastani foi novamente honesto e admitiu que transacciona a sua própria conta e não institucionalmente, como terá sido dito por alguns órgãos de comunicação social. Entre muitas outras coisas, assume a sua estratégia de investimento, bastante… peculiar.

Para finalizar, ilustrando o quanto a história do senhor Lloyd Blankfein se mantém actual, chamo a atenção para a engraçada votação realizada no Blog “Funny Business”: Who is the most annoying CEO? Nesta pool, Jane Wells (autora) lançou a votação no Twitter. Entre vários comentários e sugestões engraçadas, nomeadamente envolvendo Donald Trump (Trump Organization) Mark Zuckerberg (Facebook) e Kris Jenner (The Kardashians), um comentador atento relembrou o seguinte: “O CEO mais irritante é Lloyd Blankfein do Goldman Sachs por realizar o trabalho de Deus quando aposta contra as posições dos seus clientes”. Este comentário data de 26 de Setembro.
Concluindo, existem os investidores que sabem e não esquecem e existem os investidores que continuam a confiar as suas poupanças aos bancos de investimento.

Monday, September 26, 2011

"Weekly Review" 19-25 Setembro

Esta semana foi essencialmente delimitada pelo sentimento pessimista em torno da emergência grega, pela continuidade de uma falta de liderança europeia e pelo anúncio de um novo programa de estímulos por parte do FED, apelidado de “Operation Twist”.
Let’s Twist Again


A verdade é que, se o objectivo do discurso do Chairman do FED Ben Bernanke (ou “Benny Boy” – como é carinhosamente apelidado pela imprensa especializada) era o de estimular o mercado ou, no mínimo, acalmar a grande volatilidade a que tem estado sujeito, a acção falhou redondamente. O Dow Jones Industrial perdeu 6,41%, o S&P 500 6,54% e o Nasdaq desceu 5,30%. O programa de estímulos aprovado foi apelidado de “Operation Twist”, uma vez que prevê a compra de $400 Mil Milhões de obrigações do tesouro com maturidade de longo-prazo e a venda de obrigações com maturidade mais curta, em Junho de 2012. Até aqui, tudo bem. O objectivo é claro – controlar as taxas de juro e impulsionar o mercado imobiliário. Mas a coisa começou logo mal, porque os senhores se atrasaram cerca de 10 minutos a fazer o anúncio (atitude nada usual). Ora, os mercados mundiais, que tão ansiosamente esperavam a declaração, ficaram logo de pé atrás. Tempo é dinheiro. Este facto, aliado às expressões pouco abonatórias da situação económica mundial que foram utilizadas no discurso, provocaram uma reacção adversa dos investidores. (Ver comunicação oficial do FED aqui.)

Num dos artigos mais cómicos que li ao longo desta semana (ver aqui), cita-se a sugestão de Oliver Pursche (gestor de fortunas da Gary Goldberg Financial Services e comentador assíduo da ThompsonReuters e da FOX Business News) de que Ben Bernanke deveria ter baptizado a sua operação de “Operation Kardashian” numa alusão à estrela de TV Americana (ver foto). Oliver diz: "She's inexplicably popular, fairly useless and all about the back end. And that sums up Operation Twist pretty well”. Eu acho esta comparação deliciosa. Oliver brinca ao equiparar o famoso “derrière” da estrela televisiva com o termo técnico de “back end” que está relacionado com as yields (ou retorno de investimento) das obrigações do tesouro a longo-prazo.




Good old Moody’s
Foi, ainda, a semana em que a Moody’s decidiu fazer o downgrade da dívida dos gigantes Bank of America, Wells Fargo e Citigroup. O corte de ratings por parte da Moody’s não é novidade para ninguém, muito menos para os portugueses. A justificação é que foi peremptória e, acima de tudo, surpreendente. Segundo a agência, “é muito mais provável que agora, mais do que ao longo da crise, se deixe cair uma instituição financeira que se encontre em dificuldades” porque “o risco de contágio já não é tão grande e certo” – foram frases incluídas na justificação formal. Traduzindo: segundo a Moody’s, as maiores entidades financeiras dos EUA encontram-se entregues ao seu próprio destino e não terão mais apoio do Estado norte-americano porque o risco de contágio (se um destes gigantes cair) já não é tão grande como era em plena crise. Não me admiro, portanto, que exista algum consenso geral em relação a esta acção e que este seja: “A Moody’s enloqueceu” (ver aqui). Ou seja, segundo a agência: (1) já não estamos em plena crise e (2) os maiores bancos americanos estão sujeitos a cair a qualquer momento, sem que ninguém acuda. Pode não parecer, mas este acto da Moody’s foi importante para Portugal. Então não é relevante podermos expressar que entidade que classifica a nossa dívida como lixo vive em completo delírio? Todos os portugueses sabem e não esquecem que os timmings da Moody’s não são os mais agradáveis. Este é apenas mais um exemplo.
Athena Vs. Troika
A Grécia encontra-se num impasse perigoso para a Europa e para os mercados mundiais. Brevemente o governo irá deparar-se com decisões que nenhum líder deveria ter de tomar, sendo o impacto destas decisões da máxima importância para o mundo financeiro. A este respeito tive o prazer de ver na página da BBC UK uma espécie de árvore de decisão da situação grega, que aconselho vivamente – ver aqui. Sou da opinião que Portugal está em muito dependente da evolução da situação grega e que um eventual default na Grécia poderia arrastar Portugal para um novo pedido de ajuda e, consequentemente, para um novo acordo excessivamente prejudicial à nossa já muito magrinha economia.

Zé “Tanga“ e a Situação Europeia
J. M. Durão Barroso foi entrevistado hoje pela CNN, tendo afirmado com espectacular clareza que “a Europa estará mais forte daqui a dez anos”. Sem me alongar muito no comentário, gostaria de dizer ao senhor José Manuel que espero que ele tenha razão. Garantiu, ainda, que nenhum país iria deixar o Euro, contrariando assim os boatos sobre a Grécia. Mas o momento mais fantástico da sua intervenção foi sem dúvida o proclamar da seguinte frase: “se há de facto uma nova potência emergente no mundo, essa potência é a Europa”. Ora digam-me lá se este homem não é um iluminado? A propósito disto, deixo um cartoon que foi publicado na capa da revista E!Sharp de Novembro de 2005, mas que nem por isso deixa de ser, no meu entender, assombrosamente actual.



Outras Notas
Senti uma dualidade de sentimentos face à notícia de que o rei Abdullah da Arábia Saudita anunciou a concessão do direito de voto às mulheres. Terá este sido um grande passo para o senhor e um pequeno passo para a humanidade? Sinceramente, espero que sim. Por outro lado, receio que o velhinho rei (que uma vez se lembrou de sugerir a implantação de chips nos prisioneiros de Guantamo Bay) esteja apenas a tentar negociar um pouco de ordem, afligido pelos acontecimentos recentes com seus amigos.
Para aqueles que neste momento se encontram com grandes dúvidas devido às condições do mercado financeiro ou, por outras palavras, com vontade de matar aquele gajo que disse que determinada acção ia valer o triplo em 5 anos, fica aqui um conselho do blog Breakout da Yahoo: revisitem o clássico de Billy Joel “Just The Way You Are”, que já em 1970 dizia assim
“ I could not leave you, in times of trouble,
We never would have come this far,
I took the good times, I'll take the bad times,
I'll take you just the way you are. “

Monday, September 19, 2011

"Weekly Review" 12-18 Setembro

Apesar da semana que passou ter começado sob uma névoa de incerteza em torno dos desenvolvimentos da situação problemática da Europa e, particularmente, da zona Euro, esta acabou por se revelar a melhor desde Julho nos mercados mundiais, com 5 dias de ganhos consecutivos no S&P 500. Nem o downgrade da Moody’s aos ratings dos gigantes Societe Generale e Credit Agricole (ambos com grande exposição à divida soberana da Grécia), conseguiu suplantar o efeito do rumor (que surgiu ao longo de segunda-feira nos mercados) de que um fundo soberano chinês iria acordar a compra de obrigações do tesouro Italiano. Desesperados como estão os mercados por boas ou, no caso, menos más notícias, esta segunda-feira viria a desencadear o maior rally bolsista desde Julho deste ano. No fundo é como diz o outro: “por mim, o cliente até pode ser um chinês”. Claro que ninguém se deu ao trabalho de ler as letras pequeninas do futuro contrato; obviamente que a China está disposta a bater as notas na mesa, até porque não existe melhor investimento do que comprar uma Europa quase inteira ao desbarato. Então se, como afirmou Wen Jiabao (primeiro-ministro), for concedido à sua nação o estatuto de “plena economia de mercado” e as empresas chinesas ganharem capacidade de, sem limites, exportar produtos excessivamente baratos e possivelmente originários da violação dos direitos mais básicos do ser humano, o juro até pode ser baixinho. Ver aqui.
Quarta-feira passada, Tim Geithner, secretário do tesouro norte-americano afirmou veementemente em entrevista à CNBC que não existe “qualquer possibilidade” de voltarmos a ter de lidar com uma situação idêntica à despoletada em 2008 pela queda do Lehman Brothers. Geithner assegurou, ainda, que a Europa tinha “total capacidade” para resolver os seus problemas. Os mercados reagiram com forte subida. Claro que, tal como escrito e muito bem por Mark Gongloff num breve mas excelente artigo publicado nesse mesmo dia (ver aqui), dá ideia que se esqueceram que este foi o homem que disse que não haveria “qualquer hipótese” de algum dia os EUA verem a sua dívida com rating abaixo do AAA… De qualquer maneira, devo confessar que acabei hoje o dia sentido alguma piedade em favor de Tim. Isto porque, apesar de convidado a participar na reunião extraordinária do Eurogrupo, onde (suponho eu) fantasiava vir a ser aplaudido pelas suas propostas de maior estímulo aos países em apuros, bem como pela sua promoção do fim daquilo a que ele mesmo apelidou de “conflito permanente” entre governos e BCE, Tim acabou por ser enxotado com esclarecedoras expressões do primeiro-ministro polaco tais como “não discutimos a situação da UE com representantes de países não membros”.
 Dito isto, percebe-se a cara do senhor ao abandonar a reunião após alertar, num último alento, para o risco “catastrófico” de uma desunião.
Obviamente, nunca passou pela cabeça dos líderes europeus presentes o impacto das inconscientes afirmações que foram sendo feitas ao longo destes dois fatídicos dias de fim-de-semana. Quando o mundo financeiro grita por uma unificação da UE, Jean-Claude Trichet afirma sorridente que tem plena confiança na resolução dos problemas por cada um dos países “individualmente”. Isto porque, na sua opinião, a “zona euro está melhor do que grandes economias”. Assim sendo, optou-se por adiar a decisão sobre a ajuda à Grécia até Outubro, altura em que não haja melhor para fazer. Se até lá a Grécia cair, tanto melhor, resolve-se o problema. Tal como inteligentemente afirmou a senhora ministra das Finanças austríaca, “pode ser preferível a falência da Grécia a um resgate que seja demasiado caro”.
Olhando em retrospectiva, não consigo deixar de me rir perante o facto de Jim Cramer ter afirmado num artigo em que ironicamente desfruta do facto de tudo estar mal (ver aqui) que o grande facto impulsor da bolsa esta semana foi: Tim Geithner.
Entretanto o UBS lançou uma “Media Release” em que declarou ter perdido cerca de 2 mil milhões de dólares devido a apostas não autorizadas efectuadas por um só trader. O comunicado oficial foi o seguinte:
"UBS has discovered a loss due to unauthorized trading by a trader in its Investment Bank. The matter is still being investigated, but UBS's current estimate of the loss on the trades is in the range of USD 2 billion. It is possible that this could lead UBS to report a loss for the third quarter of 2011. No client positions were affected."
Parece uma coisa simples, não é? De facto, até nem é muito complicado. É como diz David Weidner no seu genial artigo de dia 15 (ver aqui): “O que chamaria a um “roguetrader que ganhasse 2 mil milhões? Resposta: Um Managing Director”. O que David quer dizer com isto é que é praticamente impossível um só trader, por mais genial que possa ser, colocar em risco tamanha quantia sem que ninguém dentro do gigante UBS se apercebesse da situação. Quem sabe quanto dinheiro deu o rapaz a ganhar à instituição antes de começar a perder? Claro, chegou o fim da linha, e aí é melhor fazer rolar cabeças.

Entretanto e focando-me neste pequenino país que é o nosso, não posso deixar de demonstrar a minha tristeza por, na mesma semana em que variados órgãos de comunicação mundiais de renome divulgaram artigos lisonjeiros em relação à evolução da situação da crise em Portugal, se descobre que Alberto João Jardim omitiu “em legítima defesa” um buraco nas contas da Madeira que ascende a cerca de 1,68 mil milhões de Euros. Em menos de quatro anos. Consequências? Agravamento do défice e pouco mais. Há que somar. Votem, madeirenses, o Dr. Alberto João é um porreiro. Ele é o homem que afirma, após esta escandaleira, que a “madeira tem activos e está rica”. Coitado, “a culpa não é dele”, como dizia hoje um seu conterrâneo; “a culpa é daqueles que andam a roubar”. Santa ignorância… Não é que o homem tenha posto dinheiro ao bolso, não quero insinuar tal coisa, mas omitir uma situação gravíssima como esta revela, no mínimo, uma completa falta de respeito pela sua Nação.
Por fim, uma nota à recente tomada de consciência do nosso conhecido Strauss-Kahn (ex-FMI) que, num acesso de claridade, admitiu uma “falha moral” no seu comportamento, muito embora continue a negar todas as acusações de que foi alvo relacionadas com abuso sexual. A propósito deste assunto, concordo em pleno com a visão do Rodrigo (cartoonista do Expresso) que, com verdadeira arte, nos ofereceu a imagem ao lado, já datada de 30 de Agosto.

"Yes, we Strauss-Kahn!"





Notas:
i) O texto acima, apesar da sua data de publicação, foi escrito no dia 18-09-2011, pelo que algumas das questões levantadas podem ter tido desenvolvimentos que nele não se encontram espelhados.

ii) Os links apresentados podem, dentro de algum tempo e por conduzirem para páginas de terceiros com bastante dinâmica, deixar de funcionar ou, nalguns casos, encaminhar para artigos diferentes dos citados.

Bem vindo(a) ao TKN.

Jim Cramer, um célebre hedge fund manager de Wall Street, que hoje em dia colabora com a CNBC e o site TheStreet.com, disse um dia uma frase que o tornou famoso num comentário a implementações de políticas por parte do FED. Essa frase deu o nome a este Blog. No entanto, não foi por nutrir uma grande admiração por Cramer, nem por concordar particularmente com essa expressão nesse momento. Pelo contrário. Cramer ganhou um grande respeito pela comunidade de Wall Street até ao momento em que, em directo num famoso programa de análise financeira difundido mundialmente, um telespectador lhe perguntou se “deveria estar preocupado com o Bear Stearns em termos de liquidez e tirar de lá o seu dinheiro” e este respondeu: “No! No! No! Bear Stearns is not in trouble. If anything, they’re more likely to be taken over. Don’t move your money from Bear”. O banco declarou falência e foi vendido ao JP Morgan 5 dias depois por $2 por acção. Ou seja, com um desconto de $58 face ao seu valor de mercado 5 dias antes. Jim continua a ser respeitado e procurado pelas suas ideias para investimento.
É simples o meu objectivo com esta ideia: espelhar o quanto o mundo é imprevisível e, sobretudo, expor que não me julgo senhor de qualquer razão absoluta.
Este é o primeiro post do que pretendo ser um local de observação, comentário e reflexo de notícias, escólios e opiniões sobre tudo o que se relaciona com o ambiente político e económico mundial, com especial enfoque nos mercados financeiros. As opiniões aqui expressas não passam disso mesmo e gostaria, desde já, de encorajar os comentários ou contributos que os eventuais leitores queiram dar.
Não podia ter sido escolhida altura mais desafiante para o lançamento.
Nota: Advirto que as palavras aqui expressas não serão escritas tendo em conta o novo acordo ortográfico.