A última semana foi a semana da Cimeira Europeia que, ao fim de tanto tempo de indecisão e falta de liderança a nível europeu, finalmente originou um acordo que visa o combate à crise da dívida que tão graves consequências tem tido, não só para a Europa, mas para a economia mundial.
Em traços gerais, o acordo prevê:
1) Um haircut da dívida grega na ordem dos 50%. Ou seja, é requerido aos bancos privados e às seguradoras que aceitem perdas de 50% do pilim injectado na Grécia.
2) A expansão do Fundo Europeu de Estabilização Financeira através de dois métodos – por um lado, é exigido o aumento das contribuições dos 16 países (17 com a Estónia que aderiu à UE já após a criação do fundo); por outro lado, o fundo poderá, a partir de agora, emitir garantias para cobrir o risco de incumprimento dos países. O montante do fundo subirá de 440 mil milhões de euros para um bilião de euros.
3) Aumenta o “core tier one” exigido aos bancos, ou seja o rácio de capital vs. crédito concedido ponderado pelo seu risco associado.
Tem de se reconhecer que os bancos se expuseram à dívida soberana no pressuposto comummente aceite e até há pouco tempo inquestionável de que a dívida soberana tem, de certa forma, um risco zero associado, acabando por se tratar, na essência, de um “jogo” entre bancos e governos. De uma assentada vêm o write-off de 50% do seu activo de dívida grega (que, digo eu, estaria 100% provisionado nas contas) e são chamados a aumentar o rácio de capital.
Existem, claro, várias maneiras de capitalizar os bancos. Há o dinheiro público, o fundo Europeu, o dinheiro doméstico e há o bago privado. Fará sentido capitalizar os bancos com dinheiro público numa altura em que estes não injectam liquidez nas economias nacionais? Falham pormenores importantes no acordo, ou pelo menos às linhas gerais que foram transmitidas para o público. Como esperam os líderes europeus que seja feita esta capitalização? Eu acho que seria de bom senso que, ao recorrerem às linhas públicas, se exigisse aos bancos que mantivessem um determinado nível de empréstimo à economia real, mitigando (em parte) o risco de estagnação/recessão da Europa. Claro que admito que isto é uma real “pescada de rabo na boca”: aos bancos é exigido o aumento do rácio de capital vs. crédito ponderado pelo risco – é lógico que quanto mais emprestam, mais exposição têm, logo, mais capital terão de deter para cumprir os critérios impostos, logo, recorrem aos fundos europeus, logo, os fundos murcham e sentar-se-ão novamente 17 manda-chuvas para tagarelar sobre o assunto.
A título de aparte, apraz-me chamar a atenção do leitor para o facto de Nicolas Sarkozy ter explicado, após a cimeira, que “a reestruturação da dívida grega será feita numa base voluntária de adesão dos bancos”. Felizmente, parece que há muitos voluntários. É em momentos de crise que a natureza humana actua em toda a sua magnificência.
Entretanto, numa acção bastante menos mediática, Klaus Regling (CEO do FEEF) encontrava-se em Beijing na passada sexta-feira para negociar com os líderes chineses a continuidade e aumento do fluxo de compra de obrigações do Fundo que chefia. Em tempos eu referi aqui que esta é a oportunidade de ouro da China para definitivamente se afirmar como A potência mundial. Tudo indica que o caminho é esse, tendo em conta que todos os dias lhes batemos a porta a pedir auxílio.
Não nos esqueçamos que o próprio ministro das finanças chinês já, por várias ocasiões, afirmou sem qualquer pudor que a ajuda à Europa não existirá sem sérias contrapartidas. Há vários anos, a China espera ser reconhecida como economia de mercado pela OMC. Com esse novo status, as exportações chinesas seriam altamente beneficiadas pela redução de "entraves" alfandegários. Tradução: a Europa terá que se abrir mais a empresas chinesas e comprar mais produtos "Made in China".
Muito bom, continua!
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