Sunday, October 30, 2011

Finalmente Alguém Decidiu Alguma Coisa (Mas Nem Tudo)

A última semana foi a semana da Cimeira Europeia que, ao fim de tanto tempo de indecisão e falta de liderança a nível europeu, finalmente originou um acordo que visa o combate à crise da dívida que tão graves consequências tem tido, não só para a Europa, mas para a economia mundial.
Em traços gerais, o acordo prevê:
1)   Um haircut da dívida grega na ordem dos 50%. Ou seja, é requerido aos bancos privados e às seguradoras que aceitem perdas de 50% do pilim injectado na Grécia.

2)   A expansão do Fundo Europeu de Estabilização Financeira através de dois métodos – por um lado, é exigido o aumento das contribuições dos 16 países (17 com a Estónia que aderiu à UE já após a criação do fundo); por outro lado, o fundo poderá, a partir de agora, emitir garantias para cobrir o risco de incumprimento dos países. O montante do fundo subirá de 440 mil milhões de euros para um bilião de euros.

3)  Aumenta o “core tier one” exigido aos bancos, ou seja o rácio de capital vs. crédito concedido ponderado pelo seu risco associado.

O acordo foi bastante bem recebido pelos investidores, analistas, agências de rating, etc. Quem, obviamente, acabou por não ficar tão contente foram os credores da Grécia e os bancos em geral.
Tem de se reconhecer que os bancos se expuseram à dívida soberana no pressuposto comummente aceite e até há pouco tempo inquestionável de que a dívida soberana tem, de certa forma, um risco zero associado, acabando por se tratar, na essência, de um “jogo” entre bancos e governos. De uma assentada vêm o write-off de 50% do seu activo de dívida grega (que, digo eu, estaria 100% provisionado nas contas) e são chamados a aumentar o rácio de capital.
Existem, claro, várias maneiras de capitalizar os bancos. Há o dinheiro público, o fundo Europeu, o dinheiro doméstico e há o bago privado. Fará sentido capitalizar os bancos com dinheiro público numa altura em que estes não injectam liquidez nas economias nacionais? Falham pormenores importantes no acordo, ou pelo menos às linhas gerais que foram transmitidas para o público. Como esperam os líderes europeus que seja feita esta capitalização? Eu acho que seria de bom senso que, ao recorrerem às linhas públicas, se exigisse aos bancos que mantivessem um determinado nível de empréstimo à economia real, mitigando (em parte) o risco de estagnação/recessão da Europa. Claro que admito que isto é uma real “pescada de rabo na boca”: aos bancos é exigido o aumento do rácio de capital vs. crédito ponderado pelo risco – é lógico que quanto mais emprestam, mais exposição têm, logo, mais capital terão de deter para cumprir os critérios impostos, logo, recorrem aos fundos europeus, logo, os fundos murcham e sentar-se-ão novamente 17 manda-chuvas para tagarelar sobre o assunto.
A título de aparte, apraz-me chamar a atenção do leitor para o facto de Nicolas Sarkozy ter explicado, após a cimeira, que “a reestruturação da dívida grega será feita numa base voluntária de adesão dos bancos”. Felizmente, parece que há muitos voluntários. É em momentos de crise que a natureza humana actua em toda a sua magnificência.

Entretanto, numa acção bastante menos mediática, Klaus Regling (CEO do FEEF) encontrava-se em Beijing na passada sexta-feira para negociar com os líderes chineses a continuidade e aumento do fluxo de compra de obrigações do Fundo que chefia. Em tempos eu referi aqui que esta é a oportunidade de ouro da China para definitivamente se afirmar como A potência mundial. Tudo indica que o caminho é esse, tendo em conta que todos os dias lhes batemos a porta a pedir auxílio.
Não nos esqueçamos que o próprio ministro das finanças chinês já, por várias ocasiões, afirmou sem qualquer pudor que a ajuda à Europa não existirá sem sérias contrapartidas. Há vários anos, a China espera ser reconhecida como economia de mercado pela OMC. Com esse novo status, as exportações chinesas seriam altamente beneficiadas pela redução de "entraves" alfandegários. Tradução: a Europa terá que se abrir mais a empresas chinesas e comprar mais produtos "Made in China".

Saturday, October 8, 2011

Weekly Review(s) 26 Setembro - 09 Outubro

 

Estas semanas foram frutuosa em acontecimentos dignos de nota, sendo que dois dos quais se encontram inclusivamente já comentado nos meus anteriores posts.

Montanha russa
As últimas semanas não têm sido fáceis para os investidores. Continua um grande grau de incerteza e medo nos mercados, os índices reagem mais do que seria de esperar a notícias que não são previamente filtradas, num tipo de comportamento algo psicótico.







Eu tive oportunidade de analisar os gráficos acima, para os quais (apenas por curiosidade) chamo a atenção. Nestes é possível observar como tem sido o comportamento dos mercados. São a prova do medo dos investidores. E desengane-se quem pensar que são os pequenos investidores que provocam este tipo de movimentos. E é aqui que encontro alguma preocupação. Ao que parece, os gestores de fortunas sentem-se um pouco desorientados com toda esta conjuntura. Diria mesmo que, neste momento, ninguém se arrisca a sustentar qualquer estratégia. Está tudo num modo de floating seguindo a tendência geral. Quando assim é, surgem ordens contraditórias mesmo de dentro das mesmas entidades e tudo isto vai ampliando o sentimento de incerteza. Diria que, se a situação europeia não encontrar rapidamente uma direcção, o caminho do mercado é continuar a descida. A bolsa precisa de certezas para hoje; amanhã logo se vê.


James Wolfenson “dá música” a Portugal

James Wolfenson, líder do Banco Mundial entre 1995 e 2005 (tendo realizado um trabalho amplamente reconhecido) cruzou-se com Vítor Gaspar durante as reuniões anuais do FMI e Banco Mundial. Wolfenson terá afirmado categoricamente que o plano económico de Portugal é “muito credível, forte” e que o nosso ministro das Finanças é “extremamente bom”. Contudo, em linha com o que aqui já expressei ser a minha opinião, terá também deixado claro que é extremamente necessário a Portugal que “o sistema financeiro europeu se aguente”. É simples perceber a razão para tal. Portugal depende neste momento do auxílio externo e os seus compromissos foram assumidos com base num pressuposto de algum equilíbrio europeu. Qualquer instabilidade irá afectar em muito a nossa performance e o problema agrava-se com a probabilidade de um default grego. Num momento de desespero, Portugal será apenas um dos países em apuros. Infelizmente, um dos pequenos.



Uma crise de valores, uma corrida contra o tempo
No momento em que escrevo estas linhas sou inundado por notícias que dão conta do aperto em que se encontra o banco Dexia. Este banco, com participações do Estado belga, francês e luxemburguês, emprega mais de 35.000 pessoas e foi listado na Fortune Global 500 de 2010 como uma das 50 entidades financeiras mais rentáveis do mundo (mesmo depois de, já em 2008/2009, ter sido resgatado pelos governos após serem levantadas questões relacionadas com a sua exposição a vários activos tóxicos nos EUA e na Alemanha). O Dexia é um sinal. E é o primeiro sinal simplesmente porque desde 2008 que se encontra numa situação movediça. Segundo dados da Reuters e a preços de mercado das acções na passada terça-feira, o banco não vale mais de cerca de 2,5 mil milhões de Euros o que, face à sua posse de 3,8 mil milhões de Euros de dívida grega, o que o coloca numa posição muito pouco favorável. O título chegou a afundar cerca de 29% ao longo da semana. O problema é que, dada a conjuntura presente, não basta aos governos (como em 2008) injectar dinheiro seguindo uma metodologia “tapa furos”. Tarde e a más horas toda a gente percebeu que é realmente necessária uma intervenção de fundo na estrutura e no modelo de governação das entidades financeiras.
É pura especulação lançar probabilidades e falar do desfecho da situação actual. A verdade é que os dados estão lançados não só na Europa, mas em todo o mundo. Basta olharmos para o comportamento dos mercados mundiais para percebermos que hoje, mais que nunca, todas as entidades financeiras estão correlacionadas entre si. É exactamente neste ponto em que devemos procurar o nosso fôlego e por uma razão muito simples: o leque de opções é amplo. Contudo deve perceber-se que esta é uma crise de valores, com origem na ambição das entidades financeiras, dos investidores e, no limite, de qualquer consumidor comum. Sair da crise é uma questão comportamental que não se resolve com bailouts e austeridade. Isso apenas nos compra algum tempo.
A situação em que nos encontramos exige equilíbrio. Como tal, vejo com alguma incompreensão as declarações recentes dos líderes europeus que, com serenidade, asseguram que qualquer banco europeu em dificuldades será resgatado sem problemas. Não é preciso esclarecer as pessoas que o dinheiro não nasce (tal como estes senhores tentam vender), apenas se transfere. Importa recapitular o conceito de que as transacções puramente financeiras são em essência uma “zero sum game” – alguém ganha, alguém perde – o benefício de um é o malefício de outro.

Good Old Moody’s (Parte 2)


Nem me vou alongar. Os cortes de rating da Moody’s já não são notícia. Só acho piada porque, no fundo, todos os bancos portugueses são lixo financeiro, mas nem todos estão com um Outlook negativo! A excepção vai para o BPN que, segundo a agência, “tem perspectivas de desenvolvimento para todas as categorias”. Lembram-se do BPN? Aquele que tinha um buraco de cerca de 1,8 mil milhões? Parece que agora está porreiro.

 
Warren Buffet “autoriza” compra de acções próprias da Berkshire Hathaway




Eu admiro Warren Buffet. Inclusivamente, em dadas alturas, explorei bastante a sua metodologia de investimento e o seu racional. Ainda assim, fiquei espantado com a sua jogada desta semana.
Em 1944, Buffet já andava de porta em porta a vender Coca-Cola, sendo hoje um dos maiores accionistas da empresa. Nesse mesmo ano, com 14 anos de idade, fez a sua primeira declaração fiscal. Alegou que o seu relógio e a sua bicicleta eram essenciais para o seu negócio e obteve uma dedução de 35$. O investidor mais bem-sucedido do mundo gosta de apostar em coisas “certas”, empresas que compreende e nas quais investe sempre a longo prazo. Esta é uma daquelas conjunturas em que Buffet se sente como peixe na água – a situação do medo. Diz que quando existe incerteza é quando surgem os melhores preços nas acções e é aí que investe. Aliás, com a queda abrupta dos mercados em Agosto deste ano, principalmente das acções do sector financeiro, o que Buffet fez foi investir 5 mil milhões de dólares no Bank Of America. Desengane-se quem pensar que o fez simplesmente porque tem capacidade para isso e porque para ele, no fundo, não é tanto dinheiro assim. Buffet não esbanja, muito pelo contrário. O seu “espírito de poupança” – chamemos-lhe assim – é lendário e por vezes até alvo de censura por parte dos seus colegas ricos mais… gastadores.
Na passada semana Buffet deu “autorização” para a compra de acções próprias da sua querida Berkshire Hathaway (empresa pela qual gere todos os seus investimentos). O anúncio foi uma grande surpresa em Wall Street simplesmente porque pressupõe a possibilidade de este comprar as acções a um prémio de 10% sobre o seu valor contabilístico. Algo que para um mercado que segue atentamente os movimentos de Buffet só quer dizer uma coisa: que ele confia na economia mundial, está certo do seu julgamento de anos a escolher os sítios certos para pôr o seu dinheiro e que quem quiser “andar à boleia” da Berkshire terá de deter a acção acima de um determinado valor que este acha justo. Visto desta forma, o movimento foi fantástico. Obviamente que tal feito apenas podia ser levado a cabo por uma pessoa da sua influência, mas nem por isso deixa de ter alguma genialidade. O que Buffet fez foi, com grande simplicidade, criar um floor aparente para as acções da sua empresa. Traduzindo em linguagem descomplicada: muito provavelmente (e tendo em conta a sua posição) as acções não irão descer ao ponto de as comprar – e ele sabe-o bem.

Steve Jobs: 24 Fevereiro 1955 – 05 Outubro 2011



Não poderia deixar de fazer a minha homenagem a Steve Jobs, o homem que em 1976 fundou a Apple e a tornou na empresa mais inovadora e uma das mais valiosas do mundo.
Confesso que não tenho qualquer dispositivo da Apple. Não sou utilizador de iPhone, iPad, iPod, ou Apple Computers. Mas pouco importa. O génio de Steve foi muito para além disso. Toda a forma como nos relacionamos com o computador ainda hoje assenta nos princípios básicos que ele idealizou. Foi Jobs quem inventou o conceito de rato e, ainda antes disso, foi nos sistemas operativos da Apple que surgiu a interface gráfica que hoje é a base para tudo o que fazemos no computador. Para além de tudo isto, Jobs ainda cooperou activamente na criação dos filmes de animação mais inovadores alguma vez vistos, através da Pixar – quem não recorda o Toy Story?
Jobs foi um visionário. Nunca acabou a faculdade porque na altura pouco dinheiro tinha para estudar, mas enquanto alguns se perdiam bem perto de casa, Jobs viajava pela Índia para se encontrar. Voltou budista, de cabeça rapada e com uma mão cheia de experiências psicadélicas que incluíram o uso de LSD. Mais tarde veio a revelar que esses momentos foram extremamente importantes para a sua vida e para a sua capacidade de inovação.
Em 2005 presenteou o mundo com o discurso que se pode ver abaixo.



De todas as suas palavras, que respeito, destaco as seguintes:
“Remembering that I’ll be dead soon is the most important tool I’ve ever encountered to help me make the big choices in life. Because almost everything — all external expectations, all pride, all fear of embarrassment or failure – these things just fall away in the face of death, leaving only what is truly important. Remembering that you are going to die is the best way I know to avoid the trap of thinking you have something to lose. You are already naked. There is no reason not to follow your heart.”
Tivéssemos todos nós a coragem de fazer o que realmente gostamos.

Monday, October 3, 2011

“Miss Austerity” Angela Merkel

Na passada segunda-feira tive oportunidade de ler a transcrição da entrevista que a chanceler alemã Angela Merkel concedeu à ARD (ver aqui).
A maioria das suas palavras foi destinada a convencer os alemães da necessidade de expansão do Fundo de Estabilidade Europeu, que viria a ser aprovada no parlamento alemão (Bundestag) na quinta-feira seguinte. De facto, a segurança passiva sempre foi um ponto fortíssimo da “engenharia” alemã. Traduzindo para linguagem técnica, Merkel sugere a criação de um airbag de última geração cuja pretensão é a de evitar a desgraça no caso de incumprimento grego. Até aqui, julgo que faz todo o sentido e só peca pela demora. No entanto, sem querer ser demasiado extremista, acho que a senhora borrou a pintura ao recorrer à frequente intransigência germânica e afirmar que os países que não cumprirem com os limites impostos pelo Tratado de Maastricht “devem ser obrigados a cumprir”. Eu não concordo com esta abordagem demasiado simplista. É uma visão curta. A rigidez e austeridade não resolverão os problemas de fundo da Europa, muito menos as sanções sobre sanções sobre países em desespero. As sanções funcionam francamente mal e, no limite, apenas como método preventivo e não resolutório. A Europa franco-germânica tenta impor uma liderança através de austeridade, não conseguindo atingir que esta, em demasia, causa danos que demorarão muito tempo a reparar. Isto é verdade mesmo na própria Alemanha em que as exportações desceram, assim como o consumo doméstico, prevendo-se que o seu crescimento global, a existir, estará ridiculamente baixo do seu potencial.
Felizmente, julgo que estamos a atingir um ponto de inflexão importante neste tipo de comportamento. Nos próximos meses veremos eleições na Alemanha, em França e em Espanha. Esperemos que os eleitores ponderem a sua decisão após completamente sabedores da nossa conjuntura e do impacto da mesma. E esperemos, ansiosamente, que se exija à Europa uma verdadeira liderança com base na união. Como se lia já no editorial de 18 de Agosto do New York Times, convém desligar o modo de “piloto-automático” da austeridade e partir para o comando manual.
PS: Por falta de tempo, a “Weekly Review” da passada semana não foi, como costume, postada hoje. A minha disponibilidade não foi a suficiente para cumprir com o que tenho planeado, pelo que decidi adiar a análise completa. Julgo que o leitor bem compreenderá.